quarta-feira, 25 de maio de 2011

Entrevista a Henrique Neto

"José Sócrates devia demitir-se já da liderança do PS"
Histórico socialista defende que actual Governo cometeu muitos erros e que o primeiro-ministro já se devia ter demitido há mais tempo. Em nome do País, apoia um acordo alargado. Com Seguro à frente do partido.
Por:Janete Frazão / João Pereira Coutinho
Correio da Manhã - José Sócrates demitiu-se. Acha que o deveria ter feito mais cedo?

Henrique Neto - Se dependesse de mim, com certeza. Penso que os erros que foram cometidos pelo Governo justificariam que ele se tivesse demitido mais cedo. Se ele aceitasse. Mas conhecendo-o e sabendo que isso não é possível, o desfecho teria de ser deste tipo.
CM - Quais foram os principais erros?
HN - Uma grande inconsciência em relação ao endividamento externo, que não é de hoje, já existia antes de Sócrates chegar a primeiro-ministro. Mas ele relativizou muito o problema, e depois esteve em estado de negação todo este tempo.

CM - Muitos acusam-no de mentir.

HN - O estado de negação da realidade em que ele estava levava-o a mentir e a criar um mundo irreal.
CM - A crise política foi precipitada por José Sócrates?
HN - Foi claramente precipitada por José Sócrates. Ele é uma pessoa inteligente, que compreendia perfeitamente que a forma como foi negociar a Bruxelas o PEC, e principalmente a forma como depois o apresentou sem dar conhecimento ao Presidente, não ia ser aceite e retiraria margem de manobra ao PSD.

CM - Não é um jogo arriscado?

HN - José Sócrates gosta de jogos arriscados. Faz parte das suas características e até das suas qualidades, em certas circunstâncias.
CM - É o mito do animal feroz.
HN - Exactamente. Pode ter acontecido que, tendo ele compreendido que o País estava numa situação de grande dificuldade, e que iria ter de pedir o apoio da União Europeia e do FMI, saía numa situação de maior fragilidade. Demonstra uma grande capacidade de antecipação política. Agora o PSD cometeu um erro, porque acho que deveria ter recusado aquele PEC mas apresentado um PEC alternativo.

CM - Prevê uma campanha eleitoral particularmente dura e até suja?

HN - Parece-me uma evidência, o que é mau para o País, depois dos excessos da campanha para a presidência, termos uma outra campanha suja, que vai ser muito agressiva. Há um clima de agressividade em relação ao actual primeiro-ministro.

CM - Como vê a actuação do Presidente da República perante esta crise política?

HN - O Presidente tem sido acusado de um certo imobilismo. Não estou totalmente de acordo nesse capítulo, mas acho que perdeu uma oportunidade no dia seguinte à apresentação do PEC de chamar de urgência o primeiro-ministro e fazê-lo sentir autoridade. Tinha, naturalmente, importância política.

CM - Se perder as eleições legislativas, Sócrates deve demitir-se de secretário-geral do PS?

HN - Preferia que se demitisse agora. Mas sabemos como funcionam os partidos e, provavelmente, a vitória será de Sócrates. Ele diz que está ao serviço do seu país - do nosso país, digo eu - mas talvez o melhor serviço que ele pudesse prestar ao PS e ao País era mesmo demitir-se de secretário-geral. Porque ganhando ou perdendo as eleições, o PS podia participar na governação na fase seguinte. Não sou adepto de blocos centrais, mas estamos numa situação anormal.

CM - Mas defende um acordo amplo?

HN - Seria preferível. E era muito mais fácil de obter depois das eleições com outro dirigente do PS.
CM - Quem, por exemplo?

HN - António José Seguro seria, eventualmente, o meu preferido.

CM - Portugal estaria melhor com a ajuda externa?

HN - É difícil prever. Há quatro meses, quando foi o problema da Grécia, disse que se dependesse de mim pedia já ajuda. Quando se aproximou a data da cimeira, pensei que seria melhor conhecer as condições de financiamento que a Europa decidir. Em qualquer dos casos, continuo preocupado que Portugal não se atrase excessivamente e que o problema português seja tão grande que os recursos internacionais já não sejam suficientes.

"MÁRIO SOARES PRESTOU UM MAU SERVIÇO AO PARTIDO E A PORTUGAL"

CM - Porque não há uma oposição organizada a Sócrates no PS?

HN - O engenheiro Guterres não era muito diferente de José Sócrates e deixou criar à sua volta um aparelho. Não digo que criou, porque não estava no seu estilo, mas deixou que se criasse um aparelho no sentido de dar poder a alguns socialistas. Criou-se um clima completamente acrítico, sem debate. Por sua vez, Sócrates criou o espectáculo político.

CM - Essa mediatização arrastou mesmo figuras históricas. Como se explica que Mário Soares numa semana faça críticas a Sócrates e depois apelos a entendimentos com Sócrates?

HN - Não tenho grande explicação. Foi um mau serviço prestado a Portugal e ao PS, porque os socialistas revêem-se muito em Mário Soares.
E muitos dos erros cometidos por esta direcção do PS não foram combatidos como deviam por causa da bênção que davam a Mário Soares ao longo destes seis anos.

CM - Almeida Santos convidou-o a participar nos órgãos e nos debates do PS. Vai aceitar o repto?

HN - Os debates é missão impossível, porque não há debate. O monolitismo que existe no PS são arranhadelas. E a violência com que se atacam esses pequenos arranhões é claramente excessiva e só pode resultar de uma certa vocação um pouco totalitária que às vezes existe nos maiores democratas.

PERFIL

Henrique Neto, 74 anos, nasceu em Lisboa, numa família operária da indústria vidreira originária da Marinha Grande. É casado e tem três filhos. É um histórico do PS, tendo ocupado os cargos de dirigente e de deputado pelo partido. Nos últimos anos, afastou-se da política activa. Engenheiro de formação, foi um dos fundadores da Iberomoldes e da SETSA, ambas da indústria de moldes para matérias plásticas.

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