terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A mercearia - 4


Escrevo sobre política, de forma regular e declarada, desde 2009: criei um blog – omeupedelaranja.blogspot.com – e fui alimentando-o, com textos meus e imagens, vídeos, músicas, tudo o que eu visse que seria interessante para mostrar um ponto de vista ou ilustrar a minha opinião. Além de ser um dever que eu considero cívico, foi uma forma de eu efectivar a minha relação com a candidatura de Hermínio Loureiro à Câmara Municipal.
Findo o período das eleições, continuei a escrever no dito blog. Cheguei a ter uma “secção”, na altura mais acentuada da péssima governação de Sócrates, com o título “ Músicas para enfrentar a crise”.
Há dias, ao lembrar-me de Álvaro Cunhal – uma pessoa com quem sempre discordei tendo, também, a recordação de um homem que viu os seus sonhos desfazerem-se ao longo do tempo, sendo que, na altura da sua morte, o próprio já não deveria acreditar num mundo marxista-leninista.
Essa imagem fez-me pensar que ele era, acima de tudo, um homem íntegro; e Portugal teve vários homens íntegros no século XX.
Assim, criei outra secção chamada “Homens íntegros do século XX português”. O primeiro a ser relembrado nessa coluna foi Cunhal; seguiu-se Sá Carneiro, Duarte Pacheco, António José de Almeida, Salgueiro Maia e Adelino Amaro da Costa. Todos, infelizmente, deixaram-nos e, muitos deles, com muita pena minha e com muito pesar por Portugal, deixaram a obra inacabada e sem ninguém com força de a continuar.
O nome que se seguia na minha lista era o de Jaime Neves, a primeira fotografia de alguém ainda vivo. Não fui a tempo…
Tenho por Jaime Neves uma profunda admiração: foi à sua custa, ao seu amor à liberdade que hoje podemos entrar num regime democrático; foi graças à sua estratégia militar que, posteriormente, pudemos abraçar a Comunidade Europeia; foi graças à sua astúcia que hoje, todos os cidadãos portugueses e estrageiros, em território nacional, poderão dizer que têm um sistema justo que os protege numa lógica de direito/ dever/ obrigação. Caso contrário, a 25 de Novembro de 1975, caíamos em mais anos de trevas mas, dessa vez, entregues à oligarquia marxista-leninista.
A Democracia não é um sistema perfeito nem é um sistema barato. Contudo, é o menos imperfeito de todos os sistemas e a liberdade é algo que não tem preço.
Hoje em dia, alguns mal informados, outros muito bem informados e outros ressentidos, dirão que foi graças a ele que temos desigualdades, temos um Parlamento esbanjador, planos de reforma absurdos, uma moeda única que nos prejudica, etc. etc.. Hoje em dia, perante a crise, há quem defenda um regresso ao antigamente – ao salazarismo ou a 1917 ou a algo escrito mas nunca colocado em prática que é o anarco-sindicalismo – com ideias de uma elite a mandar e toda a gente a trabalhar, muito e a ganhar pouco, esquecendo-se de tudo o que foi conquistado a 25 de Abril de 1974 e efectivado a 25 de Novembro de 1975.
Eu, felizmente, não vivi esses tempos; contudo não esqueço aqueles que poderão ser considerados heróis pela vida que temos. Jaime Neves é um deles.
Se hoje podemos votar livremente, devemos a Jaime Neves; se hoje podemos dizer mal, ou dizer bem da forma o mais desinteressada possível, do Governo, devemos a Jaime Neves; se podemos ver os soldados nos quartéis, devemos a Jaime Neves.
Quando penso em igualdade vem-me uma frase à cabeça: vivo num país em que o pai do Presidente da República era gasolineiro. Não era rei, conde ou barão, não era um grande industrial ou um intelectual lido e admirado: era alguém do povo e do povo saiu o chefe máximo da nação.
Jaime Neves abriu caminho a que outros instalassem um sistema que, por muito imperfeito que seja, me permite ter um blog e escrever nele o que me apetece desde que seja verdadeiro; se não for, sei que poderei ser chamado à justiça e que a mesma me julgará como deverá julgar outro cidadão qualquer.

João Rebelo Martins in Politica Queira Mais

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