terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O duche escocês: e se entretanto chegar a crise das “soberanias” em dívida?

" 1. Em Portugal, a agenda política está carregada, mesmo muito carregada, densamente carregada. Entre assuntos graves e episódios triviais, a agenda é farta e está cheia. E na Europa, especialmente nas semanas que ora desatam a correr, o espaço – político, mediático, público – está garantidamente ocupado. A ocupação do espaço é tal que o tempo nem sobra nem sobeja. O tempo não sobra nem sobeja para ler os sinais. E todavia, com a intermitência de certa sorte de pirilampos, eles piscam e cintilam.

2. A Hungria podia ser um tema ou podia até ser o tema. Mas a Hungria fica na Europa Central, entalada entre o fantasma otomano e o destino imperial, habituada a retalhar-se entre eslavos e teutões. Vista da metade ocidental, a Europa Central e de Leste tem a vivacidade andante dos caleidoscópios. O arranjo de fronteiras, a migração de grandes grupos, a disputa do nome das cidades, a transição de cultos nos templos, a mudança de escala do poder político (que pode passar de um grande reino a um pequeno principado) são manobras de rotina. As manobras poderão quiçá ter sido interrompidas pela Guerra Fria... Mas a Guerra Fria, exactamente ao contrário do que sugeriu e propalou Francis Fukuyama, não foi senão o “fim da história”. Finda essa guerra, a história renasceu. E sendo esse o pretenso “modus vivendi” do oriente da Europa, os do Ocidente, embora impressionados e preocupados, encaram-no com relativa normalidade. Daí que a Hungria, com a recente extensão da nacionalidade a cinco milhões de habitantes dos Estados contíguos (em especial da Eslováquia e da Roménia), sendo exemplar, não seja o exemplo.

3. O exemplo, por mais distraídos que estejam – e estão – os seus habitantes e políticos, vem mesmo da costa oeste e de uma reconfiguração, a cada instante mais plausível, dos mapas de auto-determinação. O caso mais conhecido, plasmado num movimento político de efeito progressivo e deslizante, tem sido a Flandres, outrora terra de manufacturas e asilo de sefarditas. Ao lado dele, surge com força, vigor e uma oportunidade quase oportunista o caso italiano da Padânia. A Padânia abrange os velhos territórios do vale do Pó e vai dos confins da mítica Trieste até à Ligúria, do Tirol do Sul ao Piemonte, estendo-se nas versões mais triunfalistas até à Úmbria e à Toscânia. É a Itália que trabalha, regista patentes e paga impostos, habituada a reinos, principados e repúblicas, com pouca vontade de pagar o que toma por desmandos do Mezzogiorno.
Mas, seja como seja, a Bélgica é um artifício de 1830 e a Itália, tal como a Alemanha, uma realidade romântica, natural e supostamente espontânea, dos idos 1860. Tudo edificações recentes, muito recentes. Um rasgão na Bélgica e um patriotismo lombardo ou “trans-lombardo” estarão ainda, e apesar de tudo, no limiar do explicável.

4. Difícil, difícil, até porque muito tentadora, é a Escócia. A Escócia integra constitucionalmente o Reino Unido desde 1707, embora as coroas britânicas estejam unidas desde que os Tudors deram lugar aos Stuarts, em 1603 com James I, que a neo-escolástica de Coimbra e Salamanca (Vitória, Suárez, Molina) sempre conheceu por Tiago I. Apesar dessa estabilidade de quatro séculos, o nacionalismo escocês está agora redivivo. É bem verdade que houve sempre uma nostalgia da bravura escocesa e que, em 1950, o roubo da “scone stone” – a pedra da coroação dos reis escoceses que, desde Eduardo I, jazia na parte inferior da cadeira de entronização dos reis ingleses – fez soar as campainhas de uma militância adormecida. Mas agora é a sério e os escoceses já não se contentam com a “autonomia” e o “parlamento regional” que, no final da década de 1990, lhes concedeu Blair. Agora querem o referendo da independência, feito em 2014, nos 700 anos da batalha de Bannockburn, nas condições e com as regras que ditarem os escoceses e não as do parlamento da união em Westminster. Entre essas regras, estaria o voto dos cidadãos de 16 e 17 anos, mais propensos à independência, e a criação de uma comissão “ad hoc” para regular e fiscalizar o referendo. O que pode culminar numa verdadeira e própria independência ou, muito mais provavelmente, numa “autonomia aberta e progressiva” de carácter federal. A isto se opõe a classe política britânica, de todos os quadrantes, com Cameron à cabeça. O actual primeiro-ministro aceita um referendo, mas feito de imediato, enquanto as sondagens são hostis à secessão, sem hipótese de modalidades intermédias ou “meios termos”: os escoceses têm de decidir, já e de uma vez por todas, se querem ficar ou se querem sair do Reino Unido. Tertium non datur .
A separação da Escócia, que constituiria um precedente de consequências imprevisíveis, provoca e seduz algumas chancelarias europeias. A emergência de um novo país, que seria seguramente europeísta por necessidade e conveniência, alteraria de modo fundamental os equilíbrios geopolíticos do continente. Uma Escócia da dimensão da Dinamarca, financiada pelo que resta do petróleo do Mar do Norte e por fartos fundos de coesão em virtude da sua “pobreza”, seria um enorme cavalo de Tróia ancorado na Grã-Bretanha. Tudo mudaria, mesmo no ibérico sudoeste europeu, praticamente estável também há mais de quatrocentos anos.

5. E é aí que os sinos dobram e ensurdecem os povos da Bética, da Galécia, da Lusitânia. Com uma crise financeira inédita, com um governo centralista em Madrid, com os nacionalismos oleados por décadas de autonomia franca, com os antigos etarras a funcionar em modo político, a Península pode conhecer novos destinos... Nem tudo o que luz é ouro, nem tudo o que reluz é financeiro ou económico.

SIM e NÃO

SIM. Vasco Graça Moura. O país e o CCB merecem-no e precisam dele. Uma escolha que só por sectarismo pode ser confundida com o magma das nomeações por cartão.

NÃO. António José Seguro. Como pode proclamar a regra geral da liberdade de voto dos Deputados do PS e depois deixar censurar o exercício livre da legitimidade para promover a fiscalização da constitucionalidade de leis?"

Paulo Rangel

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