Mostrar mensagens com a etiqueta PEC. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta PEC. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Por que não saímos da cepa torta

" Não há melhor exemplo da miséria da nossa vida pública, na sua versão mediática, do que o facto de José Sócrates ser a sua figura dominante num dia só, quanto mais por meia dúzia de dias. Isso, sim, é que é revelador e preocupante, não a figura do antigo primeiro-ministro, ou, acima de tudo, o que ele disse ou possa vir a dizer, e muito menos a sua putativa futura vida política, que, qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e conhecimento da realidade sabe que, se passar pelo voto, tão cedo não existe. Mas a cerimónia colectiva de incomodidade e embasbacamento com a entrevista, essa sim, é um péssimo sinal da anomia dos nossos tempos e das fortes correntes de nostalgia e radicalismo que a atravessam.

Tudo isso explica o "efeito Sócrates", tão intenso quanto é nula a importância do que disse, um remake da série de obsessões, mentiras e falsificações de números, estatísticas e factos, que tiveram um papel muito relevante no agravamento da crise do país e em colocá-lo numa situação de bancarrota. Sim, porque, com mais ou menos "narrativa", a acção de Sócrates como primeiro-ministro conduziu o país a um abismo. E sobre isso não se soube nada de novo. Pior: confirmaram-se todas as suspeitas do que ele nos tinha feito e continua capaz de fazer.

Se o fez por ser um "animal feroz", ou por ter aquela determinação cega que ninguém lhe nega e tão evidente foi na entrevista, eu ainda me preocupo mais, porque o teor autoritário e dominador da personagem junto dos espíritos fracos foi uma razão do seu sucesso político. Se ser "animal feroz" foi ou é qualidade, então essa qualidade serviu para nos atirar a todos para uma crise maior e sem fim, quando podia ser bem mais pequena e moderada nos seus efeitos. O radicalismo que a reacção a Sócrates revela numa parte da opinião pública e publicada, poderia ser a descoberta do populista salvífico que muitos esperam, se não fosse tão viva a memória das suas malfeitorias. É porque não quero que essa memória se esvaia, na fácil máquina de esquecimento que é a comunicação social, que também aqui o trato como assunto, porque o mal que ele traz alimenta-se do silêncio, não da fala.

Este homem foi um perigo, ajudou, e muito, a afundar-nos colectivamente, e seria hoje de novo um perigo, se não houvesse tão recente e viva memória dos seus "feitos". Mas o que é interessante é perceber que dele não nos defenderam muitos dos iluminados da nossa praça, à direita e à esquerda, como agora também não seriam capaz de o fazer. A razão por que me preocupa a reacção à entrevista é esta: este homem seria o populista ideal, e muita gente abre-lhe alas, apenas porque ele fala alto e grosso, num mundo em que Seguro é o que é e Passos e Relvas são que são e não suscitam nem temor, nem entusiasmo. Apenas tédio e preocupação. 

Quando falei da nostalgia que alimenta esta reacção à entrevista foi disso mesmo: a direita precisa de um inimigo e trata-o como a quinta-essência das malfeitorias da esquerda, coisa a que nunca pertenceu, porque precisa de encontrar identidade pela construção de um adversário. Sócrates é o adversário ideal, e é por isso que foi com a sua colaboração e assentimento que o Governo lhe abriu as portas da "sua" televisão. Para além disso, calcula que, por muito que possa vir a ser atingido por um ou outro remoque certeiro, Sócrates será um problema essencialmente para o PS. Os estragos que Sócrates possa vir a fazer ao Governo serão sempre entendidos como danos colaterais, aceitáveis pela enorme vantagem de ele impedir, pela sua mera existência semanal na televisão, a consolidação da liderança de Seguro. Por outro lado, a vendetta pessoal de Sócrates contra Cavaco é também bem-vinda, porque, para o grupo à volta de Passos Coelho, Relvas, Menezes e Ângelo, colocar o Presidente na ordem é uma necessidade estratégica. E pensa, e bem, que não será possível a Sócrates no seu comentário escapar à "síndroma" de Santana Lopes em que qualquer coisa discutida em 2013 vai dar, por volta da terceira frase, à incubadora, ou, no caso de Sócrates, aos eventos de 2011 e à contínua autojustificação de tudo pela traição alheia.

O mesmo fenómeno de nostalgia e radicalização existe à esquerda. A esquerda, principalmente a que está órfã no PS de Seguro, enfileira atrás daquilo que pensa ser um cabo de guerra a sério e não de um clone com falinhas mansas. Há demasiada orfandade na actual "oferta"política para deixar um lugar para Sócrates e ele ocupa-o não porque queira o lugar de Seguro, mas também porque, para ele, as dificuldades de Seguro serão a sua versão dos danos colaterais. O "animal feroz" para "tomar a palavra", que nele significa o mesmo que "tomar um castelo", sabe que prejudica Seguro, mas é suficientemente obcecado com a sua pessoa e a sua missão para não se preocupar com isso.

A comunicação social, com quem Sócrates manteve uma relação muito próxima até ao momento em que iniciou a sua queda, quando, à maneira portuguesa, todos os que lhe apararam o jogo, o começaram a calcar com a mesma veemência com que o adulavam, gosta de festa e Sócrates dá-lhes festa. Este homem que, como Relvas, mas com muito mais poder e cumplicidades, usou todos os meios ao seu alcance para afastar os jornalistas que se lhe opunham e punir todos os que o afrontavam, volta hoje a ser tratado com a mesma complacência com que se aceitavam sem questionar os seus anúncios propagandísticos e sua contínua manipulação dos factos e estatísticas. O modo como se menoriza o próprio conteúdo da sua entrevista - insisto um remake sem novidades de tudo aquilo que andou a dizer em 2010-11 -, em detrimento do folclore do seu "efeito", mostra isso mesmo.

A história da "narrativa" é reveladora. Sócrates apresentou-se como pretendendo combater a "narrativa" que a direita fazia da sua governação e queda, opondo-lhe a sua própria "narrativa". Esta história das "narrativas", um modismo para designar uma construção ficcional de eventos, preso exactamente pelo fio da narrativa, é atractiva porque procede a uma selecção de factos, moldados pela sequência cronológica escolhida, que pode não ser a que aconteceu, e pela eliminação dos "factos-problema", que podiam prejudicar a clareza ficcional da história. Na sua "narrativa", Sócrates coloca o seu principal motor interior, a sua vontade, cuja determinação varreu com tudo, bom senso, estudo, conhecimento, verdade, atenção ao real, custos, condições, tudo. E levou-nos ao que se sabe.

É, no fundo, um argumentário político, que pode ter uma maior ou menor aproximação à realidade ou à ideologia, e que serve como discurso de justificação, mas não é, nem foi, o que aconteceu, não é a realidade, nem a verdade. Não foi o que aconteceu nem na "narrativa" contra Sócrates, nem na do próprio Sócrates. Mas a escolha por Sócrates desta figura da "narrativa" mostra como, para ele, os factos contam pouco, mas sim o conflito mediático entre interpretações, o que é consistente com a recusa que sempre teve da palavra "verdade" no vocabulário político. Ele não diz "no que aconteceu", mas sim "na narrativa do que aconteceu". Há quem ache que isto é que é a essência do "discurso político", a moldagem da realidade pela vontade política. Sócrates era desta escola, uma variante mais animada do que a moldagem da realidade pelas folhas de Excel, mas em ambos os casos com efeitos desastrosos. 

Aliás, Sócrates deu muito poucos factos, e os que deu estão manchados, por serem falsos (a escolha de números e estatísticas manipuladas, uma sua pecha de sempre) ou poderem ter uma outra leitura e interpretação. Por exemplo, a aprovação do PEC IV, com o apoio europeu (desvalorizado na "narrativa" da direita), que tipo de ajudas garantia para Portugal? Desconhece-se. Essas ajudas poderiam sobreviver à crise grega e à subida exponencial dos juros nos mercados, sem darem origem a um qualquer "plano de resgate"? Duvido. Por aí adiante. Como é que se poderia manter um primeiro-ministro que, no momento em que mais precisava de alargar a sua base de apoio, à frente de um Governo minoritário, hostilizava tudo e todos? Por aí adiante. Nada foi verdadeiramente explicado na sua "narrativa", que, no essencial, nos mostrou o mesmo homem que nada aprende, nada esquece, e cuja vaidade e vontade varrem tudo à frente.

Não foi a entrevista que foi interessante. Foi o seu efeito. O sucesso do retorno de Sócrates não é o sucesso do governante de 2005-2011, nem a sua reabilitação, mas o sucesso do populismo e da orfandade do país político de 2013. Faz uma diferença. Faz toda a diferença."
 

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sócrates e a miséria da Filosofia

"O título "A Miseria da Filosofia" foi Karl Marx que o deu a um opúsculo no qual criticava a obra "A Filosofia da Miseria" do anarquista Proudhon. Mas neste caso significa apenas a miséria da filosofia que Sócrates aprendeu em Paris.
A filosofia distingue-se das religiões por lidar apenas com argumentos racionais. Ora, o que ontem se viu não foi bem isso.
Por exemplo, alguém racionalmente acredita que, mesmo com o PEC IV aprovado (e eu, na altura, defendi que o deveria ser), Portugal tivesse escapado ao resgate? Não creio. Essa ideia é um pensamento magico de Sócrates, algo a que se agarra, da mesma forma que um naufrago no mar alto vê a sua salvação no mais mísero toco.
Aprende-se, igualmente, na Filosofia que as pessoas desprendidas discutem ideias, as normais acontecimentos e as mesquinhas discutem pessoas. Dentro deste parâmetro, escuso de classificar o ex-primeiro-ministro (o atual vai pelo mesmo caminho, mas essa é outra conversa). Eu, que sou insuspeito de gostar do Presidente ou de achar que o seu papel tem sido positivo, registo que Sócrates diz que ele conspirou. Pois bem, quando era diretor do Expresso não foi de Belém que me chegou uma conspiração contra o Governo, mas do Governo que me chegou uma conspiração contra Belém. Na verdade, que interessa isso agora? Apenas nos dá conta do tipo de pessoas a que estávamos e estamos entregues.
Sócrates foi - como se dizia dos futebolistas - igual a si próprio. Parem a austeridade! exclama, não explicando como reduz o défice a que ele também se comprometeu no memorando da troika. Vitimiza-se, interrompe, coloca um ar superior enche a boca de si mesmo e fala muito da narrativa. O termo narrativa é interessante, porque parece introduzir uma relativização da verdade - como se várias narrativas coexistissem, sem que houvesse verdade e mentira. Mas há verdade e mentira e isso, como se aprende na Filosofia, não depende da vontade de Sócrates.
A demagogia, que é o terreno fértil dos tele-evangelistas, dos vendedores de facilidades, abundou. E apetece fazer as perguntas que o grande Cícero fez a Catilina, um demagogo da sua época: "Até quando Catilina abusarás da nossa paciência? Por quando tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto a tua audácia abusará de nós? Sem esquecer que Catilina foi considerado um herói popular e Cícero enviado para o exílio, de onde voltou para se retirar da política ao entrar em choque com Júlio César. A República Romana, que Cícero defendera acima de tudo, tinha chegado ao fim. Abria-se o ciclo dos imperadores.
A moral da história não é quase nunca uma história moral!"

Henrique Monteiro in Expresso

sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Saltinho pardal" é uma expressão que me é muito querida porque me faz recordar a infância .
Olhando hoje para aquilo que seria o PEC IV digo sem pejo que era com um "saltinho de pardal" que chegávamos ao PEC V.
Porventura ao VI e por aí fora, endividando o país com juros incomportáveis mas que manteriam Sócrates no poder e o país cada vez mais no fundo.
Apenas como exemplo, O INE veio provar em menos de um mês que os pressupostos onde assentava o PEC IV estavam errados e duas actualizações demonstraram que défice era claramente superior ao apresentado - a primeira actualização resultante da análise dos resultados das empresas públicas de transporte e a segunda da análise aos contratos das PPP.
Outro exemplo que o PEC IV era mau por ser incompleto e que nos iria fazer mergulhar ainda mais no pântano, foi a incapacidade do Governo em demonstrar aos Senhores da troika, que aquele plano era suficiente para baixar o défice para 4.6% do PIB em 2011.
O PEC IV também ignorava Parcerias Publico-Privadas, administração local e regional.
Enfim, o PEC IV era um queijo suíço cheio de lacunas e tal como o ar que se encontra dentro desse queijo não se come, é melhor trocar de alimento!
Prefaseando Fernando Ulrich, ontem na Universidade Católica, agradeço a quem foi responsável pela queda do Governo de Partido Socialista porque a manutenção desta gente à frente do destino dos portugueses só nos levaria para um beco sem saída.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

eu até que percebo umas coisinhas de internet...



Disseram-nos que tudo foi precipitado pelo discurso de tomada de posse de Cavaco Silva e pela negação do PEC IV.



Em 24 de Fevereiro ainda não tinha acontecido nenhum desses dois "factos" e as próximas eleições seriam apenas em 2013...

quinta-feira, 31 de março de 2011

Não é segredo para ninguém que desde há algum tempo que considero Francisco Assis um político brilhante. Não só pela sua capacidade oratória - de muita importância mas não fundamental - mas sobretudo pelo seu poder de análise e uma vasta cultura que lhe permite discutir política no seu estado mais puro. Transpondo para o PSD, diria que é alguém como Rangel, até pelo percurso europeu. Algo que todos se devem lembrar de Assis é o episódio de Felgueiras onde, contra tudo e contra todos, foi à luta e perdeu para uns militantes viciados e facciosos. Nesse momento mostrou uma seriedade inabalável: lutou contra o PS porque para si os princípios éticos e morais devem estar acima do resto. O que me espanta em Francisco Assis é a sua posição desde a última semana de campanha presidencial onde abandonou parte dos seus princípios para se juntar ao PS "de Felgueiras" que é radical, populista, que governa por conta e risco, que não fala verdade ao povo. Espanta-me esse Assis. A defesa exagerada que fez a Sócrates no dia da votação do PEC IV e, na mesma onda, a sua declaração do hoje após a intervenção do Presidente da República são completamente descabidas do Pensador de Amarante e entram na perfeição na propaganda socialista. Sou dos que acredita que os políticos têm, acima de qualquer ideologia, princípios; espero que Francisco Assis retome os dele, que muita falta vão fazer ao país depois das eleições.

terça-feira, 29 de março de 2011

..."No essencial, Sócrates (e consigo o PS que este impulso mobiliza mais do que o pântano anterior) decidiu caminhar para eleições o mais cedo possível, no seu tempo, nos seus termos e no contexto do seu cenário. Este assenta em dois momentos: a apresentação, de forma provocatória e chantagista, de uma proposta inaceitável pela oposição, em particular pelo PSD; e, depois, desenvolver a partir dessa rejeição uma dicotomia simples, fácil de explicar, verosímil e que acima de tudo assenta numa self-fulfilling prophecy, ou seja, realiza-se sempre. Esta self-fulfilling prophecy é da inevitabilidade da intervenção externa, que será a partir de agora resultado já não da sua política, mas das acções dos outros, principalmente do PSD. A "entrada do FMI" mudou de culpado. O Fundo agora já pode entrar, porque entrará sempre por culpa dos seus opositores e, no plano da retórica política, este é o argumento eleitoral central com que vai a eleições: "Eu quis salvar o país, apresentei um PEC que foi unanimemente elogiado na Europa e pelo BCE, e a oposição, o PSD, recusou-o, entregando o país ao estrangeiro." "Eu sou patriota, eles são traidores, como se vai ver."..." José Pacheco Pereira @ Público